sábado, 30 de setembro de 2017

awakening

eu queria abraçar o mundo inteiro.

eu sempre soube que o mundo era enorme, enorme, e havia o espaço e o universo inteiro, e havia o fundo do mar, e todas as florestas, e todas as pedras e folhas de árvores, e todos os os grãos de areia dos desertos e das praias; eu sempre soube que eu queria tudo isso, ver tudo, respirar tudo, conhecer tudo. eu dizia que queria ser uma pescadora de pérolas e depois documentarista do reino animal e depois astronauta e depois escritora, porque escritores conhecem muitos mundos dentro da própria cabeça.

mas eu quero mais do que meus mundos fantasiosos: eu quero o mundo fantasioso das outras pessoas também. será que tudo o que a gente imagina vira realidade em algum outro lugar? todas as nossas ideias, milhares de universos paralelos.

mas me bastaria conhecer esse universo inteiro.

(e eu rio pensando nisso: "só" o universo inteiro? não poderia ter um sonho um pouquinho maior?)

queria poder andar no fundo do mar, sentir toda a pressão na minha cabeça e não explodir com isso. queria poder flutuar no espaço, e falar que o planeta terra é azul e que não há nada que eu possa fazer. queria poder olhar todas as cascas de todas as árvores e cheirar os perfumes de todas as flores e nadar junto de todos os rios.

queria poder viver uma vida maior do que a que eu realmente vou viver.

(talvez essa seja a sina de todos nós, e eu esteja chorando de saudade de algo que eu nunca vi pela mais pura autocomiseração)

eu nunca isolo os meus sentimentos, eu sempre acho que eles são exatamente como todo mundo se sente. eu nunca acho que qualquer ideia que eu tive não passou antes pela cabeça de qualquer outra pessoa. eu não acho que traços do meu rosto sejam únicos e que não se repetiram através dos tempos. eu consigo entender como uma teoria, a minha individualidade, mas não consigo concebê-la na prática. sim, eu sou singular, como todos nós somos, mas não consigo pensar que essa singularidade seja sinônimo de solidão. 

eu nunca acho que estou sozinha.

(talvez eu não possa abraçar o mundo inteiro, mas isso não significa que ele não possa me abraçar.)

sexta-feira, 7 de julho de 2017

did you get enough love, my little dove?

no meu livro preferido, eu sou o mensageiro, o personagem principal se acha uma grande inutilidade de espaço no mundo. logo no começo, uma pessoa fala para ele: tu é um homem morto. isso fica na cabeça dele. o resto da história corre, e é sobre ajudar os outros e se ajudar, principalmente, é sobre tentar ser melhor consigo mesmo, é sobre pequenas coisas que são grandes; e no final, a mesma pessoa pergunta a ele você tá olhando pra um homem morto? e o não vem facilmente aos lábios do protagonista.

às vezes (muitas vezes) eu acho que você pensa que está olhando para um homem morto quando se vê no espelho, e aqui eu queria fazer o exercício de ser a sua consciência por uns instantes e sussurrar não não não não, até a resposta deixar sua mente e se tornar real através da sua fala.

eu não sei se eu deveria estar te falando todas essas coisas, veja bem: muitas vezes, nós temos a boa intenção de tentar apoiar os amigos, mas as palavras acabam ferindo mais do que ajudando, ditas com uma intenção e recebidas com outra interpretação. é normal. afinal, palavras são presentes que você não averiguou anteriormente se a pessoa queria ou não ganhar. eu só posso falá-las, e você pode recebê-las da forma que for, e mesmo que elas te machuquem (e eu sinto muito, eu sinto tanto, se for o caso), eu espero que você se lembre que elas não foram ditas com nada além do mais puro carinho do meu coração.

lembra que você é o ás de copas, passarinho.

os ás de copas é tão cheio de potencial. e existem tantos bloqueios, eu sei, externos e internos, e machucados que vieram sabe-se lá de onde e você só consegue ver os hematomas, mas se existe algo sobre você para além de todo esse tempo nublado (e existe, na realidade, não é uma questão de se), é que você é totalmente capaz de guiar seu próprio destino. sabe, aquele poema? my head is bloody, but unbowed. todos os machucados doem tanto, eu sei, mas todos os machucados também tem uma maneira de curar (pode até mesmo ser com um beijinho de mãe no local, não é mesmo?).

você é tão maior do que o que você vê. chega a ser engraçada a disparidade, a diferença que faz o ponto de vista do observador. algumas horas na sua presença foram suficientes para eu passar os dias seguintes sorrindo o tempo todo, suficientes para eu desejar inúmeras vezes que pudéssemos nos encontrar com uma frequência maior. você transmite um senso de tranquilidade tão grande.

você é um bom amigo.

e pode até ser que você não saiba o que você quer fazer, mesmo que saiba o que não quer fazer, mas você vai encontrar aquilo que pode te satisfazer da forma que você busca estar satisfeito. ou talvez você nunca esteja satisfeito, e por isso sempre busque mais, mas essa busca será menos torturante e mais gratificante do que parece hoje.

talvez você ache que eu esteja dizendo um monte de besteiras e se pergunte em como eu posso acreditar em tantas bobagens, mas o fato é que eu acredito em você, porque você é que nem todo mundo, e todo mundo é tão cheio de potencial, tão capaz, todo mundo guarda um pequeno universo dentro de si, você não é diferente. e eu vejo seu universo, e ele está em expansão, e eu gostaria que você o amasse tanto quanto eu o amo.

eu espero que esse dia chegue, e eu não me importo no tempo que eu tenha que esperar. até lá, eu vou continuar tentando te fazer se enxergar através das minhas lentes, nem que seja só um pouquinho. só o suficiente pra você lembrar que não está só.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

impressão

tem uma menina sentada na sombra de uma árvore comigo. o sol tá quente e a gente tá com frio mesmo assim, por causa da água da piscina. eu tô falando que tá tudo tão bom que eu tô triste. não que eu use essas palavras, mas é essa a conclusão: tá tudo tão bom, eu tô tão feliz, o sol, as casas de condomínio, a perspectiva de ter amigos por todos os lados; o dia anterior e todos os dias anteriores a esse do último mês e alguns dias. eu não estive sozinha, está tudo tão bem, e vai tudo terminar tão rápido.

"é nostalgia," eu digo, ou acho que digo, a palavra morrendo antes ou depois dos meus lábios, enquanto ela me conta que adora casas com janelas e portas de vidro. eu percebo que a amo, em todas as circunstâncias possíveis, eu a amo e não tem tempo que vá mudar isso.

(distância também é só tempo, transformado em paisagem e meios de transporte)

tem um menino e ele está deitado no chão de concreto comigo. arranha nossa pele e estrelas que só cidades sem iluminação elétrica abundante arranham nossos olhos. ou os meus, e os dele têm lágrimas, e em breve os meus teriam também. eu não consigo lembrar (pensar) bem do que dizer, mas eu tô lá e ele está em silêncio e eu quero que ele saiba que não está sozinho, não precisa estar sozinho, não deve estar sozinho e eu o abraço, mas.

"não é suficiente, tentar te abraçar," eu digo, ou acho que digo, e ele concorda e me fala algo e eu não sei mais o que dizer, eu quero dizer que não é suficiente tentar abraçar e não conseguir, eu quero dizer que eu posso abraçar, que tanta gente pode, eu quero dizer tanto, mas eu não sei se ele quer ouvir. se ele vai ouvir.

(ele vai ouvir, ele vai ouvir, um dia ele vai ouvir, eu repito pra mim mesma, sabendo que ouvir sem absorver não é suficiente)

tem uma menina e ela está chorando porque descobriu que quando pessoas morrem elas expelem toda sorte de coisas que ela não gostaria nunca de ter sabido e estão todos chocados e eu sei que é porque ela tem orgulho demais, ela tem medo demais de ser motivo de riso ou de nojo ou de desprezo, todo orgulho é uma forma de medo, não?, e eu peço pra que parem de falar, se ela se preocupa tanto com a vida, a morte não deveria ser mais um item na lista de paranoias em geral.

tem um menino e ele está na cozinha enquanto eu falo toda besteira que me vem a mente na tentativa de fazê-lo rir. ele ri, bastante, ele se dobra e me pede pra parar e eu continuo, continuo, continuo, a culpa comendo cada borda do meu interior porque ele esteve chorando por minha causa e eu preciso ouvir a risada dele, uma confirmação de alguns segundos que tem algo bom acontecendo no cérebro do menino, a química que te faz reagir a algo com risadas leves e não nervosas, com sorriso e não com lágrimas. eu o fiz chorar, e eu preciso fazê-lo rir também.

tem um menino e eu me sento entre as pernas dele enquanto passo geleia dentro de pães, enquanto escuto outros meninos, enquanto escuto música, enquanto escuto barulho de vento e mar e maresia (é mais cheiro do que som, mais sensação do que cheiro, mais ideia do que realidade, mas está por todo lado), e ele beija a minha mão e ri comigo e eu me sinto acolhida e eu quero dizer que o amo, vezes demais, por tempo demais, mas eu só estendo outro pão pra ele e espero que ele saiba.

tem uma menina e ela está chapada e sorridente e vem me perguntar se está tudo bem, se eu preciso de algo, se eu quero conversar, e minha perna treme incontrolavelmente, a ansiedade dando forma aos meus movimentos, mas está tudo bem, eu quero assegurar, eu asseguro, eu asseguro?, ela se preocupa, ela se preocupa demais e tem mil pensamentos passando pela cabeça e os olhos dela brilham no escuro e eu penso em como sempre foi assim, em como ela sempre teve olhos brilhantes.

"eu só vim ficar um pouco na internet," eu digo, ou acho que digo, e é verdade, a luz do celular machuca meus olhos um pouco, mas não tem problema, eu só queria ficar debaixo de árvores e estrela e vento e sentindo formiguinhas andarem pela minha pele. eu espero que ela não se preocupe, eu sei que ela se preocupa, eu torço para a maconha fazer o favor de deixar os pensamentos dela mais leves, porque ela não merece a inteligência que tem sendo usada contra si mesma.

(ela vai embora, e eu penso sobre como é mais fácil se deixar ficar só, quando você sabe que não está só de verdade, ainda que solidão tenha sido sua maldição autoimposta)

tem umas pessoas e elas estão cozinhando para outras e eu estou longe enquanto isso acontece, mas eu penso sobre cuidado e sobre cozinhar para os outros e em como isso é uma forma de cuidar. se dispor a. em como elas se juntaram e estão rindo e conversando na cozinha, com música tocando e corpos suando inevitavelmente, mesmo com a tentativa do ventilador de ajudar. eu penso sobre cuidar de si mesmo e cuidar dos outros e em como deveria ser fácil equilibrar esses dois conceitos: eles cozinharam, e comeram e dividiram a comida, eles fizeram o que tinham que fazer por eles e também fizeram para os outros, então por que não é possível que façamos o mesmo? por que não é possível que cuidemos de nós e dos outros, por que não é possível que tentemos dividir o cuidado? elas estão aqui, e estão cansadas e estão rindo, e eu agradeço, eu agradeço, porque não posso fazer diferente. e nem quero.

tem um menino, e ele beija a minha mão e depois o topo da minha cabeça, e eu me sinto real, real, real.

não dói, e eu agradeço.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

king of diamonds

acho que eu não sei escrever sobre você (mas até aí eu não sei escrever sobre ninguém, minhas palavras nunca fazem jus ao que eu vejo).
eu pensaria: os dentinhos.
tá aí, eu começaria falando sobre os dentinhos da frente ligeiramente separados, a característica que eu considero mais adorável em qualquer ser humano. meus textos são todos enormes pedidos de desculpas, e aqui está o primeiro deles — tanta coisa pra dizer, e eu vou dizer que seus dentinhos me fazem querer te dar um abraço.

eu também posso dizer que é engraçado ver você sendo você
(e eu me lembro de há muito tempo ter lido você escrever sobre hábitos de outra pessoa, e que a palavra certa era fofo e não engraçado, e acho que faz mais sentido pra mim agora essa constatação)
como em: é engraçado ver que você não é só um punhado de palavras bonitas organizadas em textos dolorosamente próximos e também não é só o desespero latente de cento e quarenta caracteres. você é você, tridimensional, cheio de tatuagens, olhares desviados e aquele barulho da bolinha de menta (ou hortelã?) no filtro do cigarro estourando.

ou como em
é engraçado ver o cara que me passou um sermão sobre eu me preocupar demais com os outros e isso só servir pra alimentar meu bem estar ao invés do alheio e perceber que desculpa, eu ainda estou preocupada com você, e os outros, e queria poder ajudar e ficar brincando com sua mão enquanto só ouço você falar.

eu gosto de ouvir você falar, e é sempre surpreendente ouvir a voz das pessoas que você não encontrou a princípio presencialmente. uma sensação de estar tudo infinito e completo: aí está você, na penumbra do sofá, cantarolando um rap que eu nunca tinha escutado antes, e é tão real que eu não posso falar nada para não atrapalhar a realidade do momento.

eu acho que você é bem melhor com as palavras do que eu — ou que, ao menos, você tem um objetivo com elas. eu não tenho, eu quero falar sobre esperança e sobre você me fazer ver coisas de novos pontos de vista, e sobre eu reler alguns textos seus em busca de conforto ou impulso, e sobre você ser tão real quanto as suas palavras, e tão verdadeiro quanto, e sobre eu queria poder te ajudar e me desculpa por isso, e sobre querer estar perto e cuidar até onde seja permitido cuidar, e sobre você me lembrar um gatinho — arisco e carinhoso, ao mesmo tempo — e sobre

eu não sei.
seus dentinhos, talvez.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

lovestruck/lovesick

um dois três um dois três passos até a cama cuidado pra não esbarrar na quina ai merda meu joelho puta que pariu. bom pelo menos eu estou na cama agora e minha cabeça pensa demais, como é possível ter tantos pensamentos em uma mente só. eu tô me atropelando, eu mesma tô me sufocando. eu sempre faço isso, sóbria ou bêbada. eu sempre me atropelo e me sufoco e todo mundo sabe que eu sou que nem aquela música, e tempo e medo não fazem o menor sentido para mim, porque eu decido a hora de tudo. eu tenho pressa de viver, como outro cantor colocaria, mas parece que minha pressa é pior, sozinha, quinze passos à frente de todas as pessoas que eu gostaria de estar ao lado. eu queria poder ir no mesmo ritmo que todo mundo. eu queria ser normal.

pelo outro lado, tem você.

eu busco um conforto imaginário nas suas palavras, talvez alguém que me diga que eu não preciso ser normal, mas não, você me pede calma, eu rio, eu quero dizer: eu não tenho calma, nunca estive calma, nunca estarei calma, a parte isso tenho em mim todos os sonhos do mundo, mas eu não digo, minha cabeça roda, e eu não sei se é o álcool ou se é sua voz, um sorriso que se estende no meu rosto, chega até aos meus olhos, chega até a ponta dos dedos que chegam até você e eu queria que eu pudesse tocar na sua alma como você toca na minha, mas eu sou apressada e cheguei rápido demais, não foi, meu amor? o sinal estava fechado ainda, ou melhor, uma porta, ah, rápido demais demais demais, eu digito igualmente rápido, um monte de perguntas na ponta da língua dentro do coração, eu repito todos os meus vãos pensamentos indesejados: você merece, você merece, você merece.

por outro lado, eu.

que não mereço nem nunca mereci, e talvez olhos se revirem a essa constatação, porque gostam tanto de mim, gostam tanto da criatura apressada que faz o próprio tempo e espera que as estradas se curvem aos próprios pés, mas não dá pra se apaixonar por isso, não dá pra se apaixonar pelo desastre ambulante, dá pra você gostar de longe ou de perto, com muito tempo, e eu não dei tempo algum, ah, como eu sou patética, como eu sentia nos meus ossos, como eu sabia porque eu sempre sei, não dá pra ser eu, nunca.

por outro lado.
por outro lado, você.

e você é tão inevitável, meu-bem-que-outros-cantores-chamam-baby, você tem tanta força e meus olhos não conseguem desviar e você vai me dizer que meus olhos não têm que desviar de nada porque eu nem te vejo de verdade e eu vou rir e te apresentar a idéias, metáforas, figuras de linguagem; meus olhos não desviam, meus pensamentos não saem de perto, é como deixar música tocando enquanto fazemos outras coisas e se pegar cantarolando sem saber há quanto tempo se cantarola. é uma música nova, eu sei, ainda estou aprendendo ritmo e letra, mas é você, é você e seu jeito de escrever, de se expressar, é sua voz tão cheia de sentimento que parece que o chão se desfez debaixo de mim, é sonhar que está caindo, inevitável, eu repito pra mim mesma a fim de me justificar, eu preciso de alguma defesa, certo? senhores do júri, me acompanhem: ela não poderia fazer diferente porque ele era inevitável. ela não poderia fazer diferente porque ela é maluca. ela não poderia fazer diferente porque não se faz diferente com quem se guia por sentimentos.

por outro lado...
por outro lado, você também não poderia.
e é, tristemente
inevitável.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

let's pretend we're walking home

um escritor que está impresso em todas as suas palavras: claro, essa é a mais óbvia de todas as afirmações, palavras não são navalhas? cortam quem as escuta, cortam quem as profere. você está em todas as suas histórias, e é bonito de se ver; o protagonista sozinho e aterrorizado, sempre ele, sempre você, até a gente encontrar o outro lado; o protagonista sozinho e aterrorizado que não se incomoda de ter mais um dia lutando, desde que haja mais um dia a ser vivido, eu penso que já fui assim, eu penso que todos nós já fomos assim, menos exaustos e eu queria que esse cansaço pudesse ir embora com um sopro.
ele não vai.

eu preciso te contar uma história sobre você, como você precisa contar suas histórias sobre você.

ele começou a escrever cedo, porque escrever era importante, escrever era o único jeito e, deuses, eu entendo esse sentimento. escrever, punição e perdão. tinha demais dentro da cabeça e do coração, e as palavras eram a tradução em ordem de uma desordem inexplicável.  quem se acostuma a falar para o papel cedo por vezes esquece como praticar o mesmo exercício com as pessoas. aí o disseram: você é gelado. aí o disseram: você é inacessível, e quieto, e recluso, e casmurro, e ele vestiu todas essas características, o coração como uma coroa, como não fazê-lo?
mas esse não era o coração —
não todo, ao menos. o papel sabia mais (o papel sempre sabe mais).
a história sobre um escritor que também era um personagem, que escrevia sobre seu próprio deslumbramento com as relações entre as pessoas, e as pessoas ainda o chamavam de distante.
eu disse a ele: eu vou escrever você, porque eu preciso escrever os outros, mas eu falho na minha tarefa, porque tem tantos quartos ainda não explorados e eu não sou nenhum escobar que chega escancarando as janelas.
mas eu
posso falar sobre
o escritor que queria mais, de si mesmo e daquilo que os outros costumavam oferecer, e merecia mais; e podia ter mais.
eu escrevo sobre escrever
você escreve sobre ser
existe alguma familiaridade nisso, como andar de mãos dadas até em casa, carregando os sapatos nas mãos porque os pés estão com machucados, nada além de silêncio e murmúrio da rua
eu diria que você é um bom personagem, e que um dia eu gostaria de te escrever melhor do que isso.

(se todos os seus personagens carregam uma parte sua, você está apaixonado por si mesmo?
eu torço para que sim, mesmo sabendo que não é provável —
se você estiver apaixonado por você, teremos algo em comum)

domingo, 20 de novembro de 2016

not a victory march

"como você pode ter certeza?," você pergunta, e eu não sei se é curiosidade ou desafio ou os dois.

não importa, porque eu tenho. eu tenho certeza que não seria eu, em nenhum universo paralelo, como eu tenho certeza de que não serei eu, agora, como eu tenho certeza de que vai passar alguma hora e eu apenas tenho que viver até que passe. quando você está atravessando o inferno, continue caminhando, não é assim que dizem? essa é minha marcha que não é da vitória, que nunca vai ser da vitória e cuja glória eu só irei compreender totalmente quando um dia acordar e perceber que não há mais aqui dentro o que há agora e que todos os sentimentos se transformaram. eu sei que isso vai acontecer, porque eu já vi acontecer. amizade virar paixão virar amor virar dor virar raiva virar nada voltar ao que era antes. parece que eu estou sempre me apaixonando nas mesmas circunstâncias, mesmo que por pessoas diferentes. amizade, paixão, amor, raiva. nada. alguns pararam em nada. alguns pararam em raiva. eu queria ter uma boa compreensão dos meus sentimentos ("é vontade de beijar ou de segurar a mão?", ela me perguntou, e com horror eu percebi que era vontade de segurar a mão), para que eu pudesse arranjar uma forma de vivenciá-los menos dolorosamente ou talvez contorná-los ou transformá-los em música de fundo na minha cabeça e não em um show de rock na porta da minha casa. mas quem eu quero enganar. todo mundo já conhece minha natureza, eu sou óbvia e previsível: cicatrizes e tinta, feridas autoinfligidas e machucados ocasionados da distração. eu sou óbvia, eu sou óbvia, eu sou óbvia. é nisso que eu tento me segurar, minha obviedade me promete que uma hora isso vai passar e não vai me machucar tanto. mas não adianta me segurar no futuro em que isso não vai mais doer, porque no presente isso dói, e eu estou vivendo o presente. esse presente ou um presente de uma realidade alternativa em que uma parte de você está alterada, tanto faz. o resultado não seria diferente. não sou eu, nunca seria nem serei eu.